Uma vez, um amigo me contou que estava lendo Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, para suas crianças, então entre 8 e 10 anos. E, como confirmei, ele falava do livro original, o publicado, não de uma adaptação infantil ou juvenil.
Perguntei se não era muito difícil. Até adultos bem formados e leitores de literatura enfrentam a riqueza de Rosa tateando os neologismos, a sintaxe diferente, o enredo emaranhado etc.
Ao que ele me disse que as crianças entendem o Rosa falado. Mais que isso, ficam fascinadas com o modo como um livro pode trazer aqueles sons, estranhos, mas tão familiares.
Em outros termos, meu amigo me contava que a linguagem do autor chamava a atenção das crianças e provocava a imaginação delas. Mesmo sem compreender toda a história, fascinavam-se com as palavras, com os sons.
Momento de virada
A conversa me fez pensar que, se é importante ler os livros adequados para as faixas etárias, existe um momento de virada. Trata-se daquela idade, ao redor dos 8 anos, quando a criança já consegue (ou deveria conseguir, e esse é um tema para outro momento) ler sozinha, ou apenas com apoio de um leitor fluente, os livros apropriados para a idade dela.
Ler para essas crianças pode se tornar um desafio. O livro conhecido, cuja história a criança já leu e releu por conta própria, vai perdendo o encanto depois de algumas leituras do adulto. Ao mesmo tempo, a criança quer mais da leitura, quer o estímulo que outras mídias proporcionam ao longo do dia.
Estímulo de outras mídias
Evitando o extremo de Guimarães Rosa, e aproveitando o interesse de minha filha pelos filmes juvenis da Disney, passei a ler obras mais juvenis para ela, então com 8 anos.
O resultado foi o desenvolvimento de um interesse real pela literatura, um entendimento do que pode ser um livro e a inserção prazerosa do objeto livro no cotidiano.
Começamos com as obras de JK Rowling, depois de termos visto várias vezes os filmes de Harry Potter. Passamos então a livros derivados de filmes como Descendentes e spin offs da série After High.
E seguimos por esse caminho. Usei as mídias mais presentes no cotidiano para apresentar a literatura, a versatilidade e riqueza dos livros.
Hoje, aos 11 anos, continuamos lendo juntos algumas séries juvenis (como O lar da Srta. Peregrine) enquanto ela envereda por leituras que não estão necessariamente relacionadas a outras mídias.
É a autonomia da leitura que os educadores buscam: interesse pelo livro e a presença natural dele na família.
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